
"Em decorrência, determino à Presidência do TJAM que, de imediato, oficie o Presidente da Assembléia Legislativa e o Governador do Estado dando ciência desta decisão e solicitando a devolução dos referidos projetos de lei."
O conselheiro Rubem Curado Silveira, do Conselho Nacional de Justiça anulou a sessão do Tribunal de Justiça do Amazonas que criou sete vagas de desembargador. "A cautela, portanto, recomenda a suspensão imediata dos efeitos da decisão proclamada pelo Presidente do TJAM e que ensejou o envio dos referidos anteprojetos de lei, pendentes de aprovação e/ou promulgação", diz o conselheiro em sua decisão. O pedido foi formulado pela desembargadora Graça Figueiredo, que teve pedido de vista rejeitado na sessão que definiu os novos cargos. Leia a decisão, na íntegra:
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0006624-41.2013.2.00.0000
Requerente: Maria das Graças Pessoa Figueiredo
Requerido: Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas
DECISÃO LIMINAR
Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo apresentado pela Desembargadora MARIA DAS GRAÇAS PESSOA FIGUEIREDO em face do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS – TJAM, por meio do qual pleiteia a concessão de medida liminar “a fim de impedir o envio do projeto de Lei Complementar” para a Assembléia Legislativa do Estado do Amazonas, com o objetivo de aumentar o número de Desembargadores da Corte Amazonense.
Em pedido alternativo, “caso o projeto já tenha sido enviado”, requer seja determinado “que o Presidente do TJAM comunique à Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas acerca da medida liminar deferida, paralisando o trâmite do Projeto de Lei na Casa Legislativa, em função da necessidade de se completar o julgamento do feito administrativo, após o pedido de vista a ser conferido à requerente”.
Narra, em síntese, que:
a) na Sessão do Tribunal Pleno realizada em 5 de novembro de 2013, “durante o julgamento do processo administrativo sobre o projeto de lei que altera a composição do Tribunal de Justiça do Amazonas, criando sete novos cargos de Desembargador”, o Desembargador Presidente do TJAM negou pedido de vista formulado pela requerente;
b) “a remessa do projeto de lei à Assembleia Legislativa foi aprovada pelo voto de nove colegas, ao passo que oito votaram contra”;
c) “não proferiu seu voto, pois diante dos argumentos apresentados no voto divergente do Des. João de Jesus Abdala Simões, que confrontavam diretamente as razões apresentadas pelo Presidente do Tribunal para a remessa do Projeto de Lei, esta magistrada declarou não estar apta a votar naquela sessão, tendo vista (sic) necessitar fazer um exame pormenorizado dos números apresentados em cada um dos votos.”; (grifo inexistente no original)
d) “logo após a inauguração da divergência, solicitou vista dos autos, a fim de comparar os votos apresentados”;
e) “o pedido de vista foi monocraticamente indeferido pelo Presidente Ari Jorge Moutinho, sob o argumento de que o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas não prevê tal procedimento, o que não corresponde à verdade.”;
f) o Projeto de Lei está “intimamente ligado ao futuro financeiro e administrativo do TJAM”, sendo “fundamental que seja amplamente debatido em plenário, transparecendo mais um motivo para permitir a vista dos autos, a fim de realizar-se um exame acurado da matéria antes de tomas esta crucial decisão.”;
g) foram trazidos ao debate “dados complexos e relevantes sobre os números da Justiça Amazonense, que no entender desta magistrada necessitavam de uma análise pormenorizada, pois enquanto o Presidente defendia a ideia de que os futuros investimentos a serem realizados no Primeiro Grau seriam suficientes para descongestionar os processos em trâmite na instância inicial, o voto divergente trazia números completamente opostos, indicando que os juízes de Primeiro Grau encontravam-se assoberbados de processos e sem perspectivas de que esta realidade mude.”;
h) “pela simples leitura do art. 22 do RITJAM, percebe-se que o pedido de vista continua assegurado a qualquer magistrado que faça parte da Justiça Amazonense”.
No mérito, requer “a declaração de nulidade da proclamação do resultado do julgamento, tomado na Sessão do tribunal Pleno realizada no dia 05/11/2013, em relação à remessa do Projeto de Lei que altera a redação do art. 428 da Lei Complementar nº 17/97 à Assembleia Legislativa, de modo a permitir o pedido de vista formalizado por esta requerente, para em seguida, assim que habilitada, proferir seu voto sobre a causa, sendo retomada a deliberação da causa em sequência”.
Em informações complementares (INF20) junta cópia da peça inaugural do PCA 6626-11, distribuído após o presente PCA, por meio do qual outros 6 (seis) desembargadores insurgem-se contra o mesmo ato aqui atacado.
Em aditamento ao requerimento inicial (PET22), a Desembargadora Maria das Graças Pessoa Figueiredo informa que o projeto de lei em questão foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado na data de hoje (7/11/2013).
Nesse contexto, a requerente alega a existência de vício de origem da proposta, em razão de ter sido negado seu pedido de vista durante a sessão de julgamento administrativo, cuja ata sequer foi lida e aprovada pelo Pleno do TJAM, o que somente deverá acontecer na próxima sessão do Tribunal Pleno, no dia 12 de novembro próximo.
Diante disso, requer, em sede liminar, “que o Presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas seja impedido de implementar o preenchimento das vagas, com o início dos procedimentos de acesso de mais membros à Egrégia Corte de Justiça.”
É o relatório.
Passo à apreciação do requerimento liminar.
A concessão de medida liminar exige a presença concomitante dos requisitos da plausibilidade do direito invocado e do efetivo perigo de dano oriundo da demora no provimento final, a teor do artigo 25, XI, do Regimento Interno do CNJ:
Art. 25. São atribuições do Relator:
XI – deferir medidas urgentes e acauteladoras, motivadamente, quando haja fundado receio de prejuízo, dano irreparável ou risco de perecimento do direito invocado, determinando a inclusão em pauta, na sessão seguinte, para submissão ao referendo do Plenário;
Na espécie, verifico a presença dos requisitos que ensejam o deferimento da tutela de urgência.
A plausibilidade do direito invocado está revelada, nesta análise precária e perfunctória, pelo indeferimento do pedido de vista da Desembargadora Requerente pelo Presidente da Corte, em aparente ofensa ao artigo 122 do Regimento Interno:
Art. 122 – É facultativo um pedido de vista, de uma sessão para outra, ao julgador que não estiver habilitado a proferir imediatamente o seu voto.
Parágrafo Único – O pedido de vista não impede votem os juízes que se tenham por habilitados a fazê-lo, e o juiz que o formular restituirá os autos no prazo estabelecido no “caput” deste artigo, devendo prosseguir o julgamento do feito na primeira sessão subseqüente.
Registre-se que tal fato foi amplamente divulgado na imprensa local (DOC11) e afirmado, também, por 6 (seis) outros Desembargadores no requerimento inicial do PCA 6626-11, acima mencionado.
O pedido de vista, a propósito, é prorrogativa do magistrado e inerente a todo e qualquer julgamento colegiado, em processos judiciais ou administrativos, porquanto essencial à formação do convencimento nas hipóteses em que ainda não se sinta apto a votar. Nesse sentido o entendimento do Plenário do CNJ no PCA 1736-29.2013.2.00.0000, em processo análogo ao presente.
A par da aparente ofensa à referida prerrogativa e à regra interna da Corte, tal indeferimento acabou por ceifar essencial debate acerca da necessidade ou não da ampliação do número de desembargadores – com repercussão direta na organização administrativa e financeira do Tribunal -, em atitude no mínimo contrária aos ares democráticos e republicanos que inspiraram a Carta Constitucional, direcionadores da conduta de toda a administração pública, notadamente dos órgãos do Poder Judiciário.
Com efeito, a discussão decorrente cindiu o TJAM (nove votos a favor e oito contra) e culminou na remessa à Assembleia Legislativa de anteprojeto de Lei Complementar para aumento dos cargos de Desembargador (de 19 para 26) sem atender ao direito subjetivo de “vista” de um de seus membros e, mais, sem que a Desembargadora Requerente tenha proferido o seu voto.
Vale mencionar, tão somente para ressaltar a importância de o tema ser ampla e democraticamente debatido no âmbito daquele Tribunal, que de acordo com o Relatório Justiça em Números 2013, com dados relativos ao ano de 2012, o 2º grau de jurisdição do TJAM é um dos menos eficientes do Brasil. Basta dizer que o número de processos baixados por Desembargador foi de apenas 223 (duzentos e vinte e três), enquanto que a média nacional alcançou 1.193 (mil cento e noventa e três) processos.
Com efeito, os números indicam que a alta taxa de congestionamento do 2º grau do TJAM (84,2%) tem como causa principal a baixa produtividade, e não na insuficiência do número de Desembargadores.
No primeiro grau de jurisdição do TJAM, por sua vez, o número de processos baixados por magistrado foi de 1.825 (mil oitocentos e vinte e cinco), quase 10 (dez) vezes mais. Não obstante, a carga de trabalho sobre cada juiz da primeira instância é de 8.382 processos, contra uma carga de trabalho de 1.510 processos por Desembargador.
O perigo de dano, por seu turno, decorre dos prejuízos que podem advir de eventual promulgação de lei com aparente “vício de origem”, tendo em vista o impacto, como já frisado, na organização administrativa e no orçamento da instituição.
Recorde-se que, em se tratando de ato complexo, eventual reconhecimento de vício no ato administrativo que deu origem ao projeto de lei pode ensejar indesejada discussão jurídica acerca das possíveis repercussões nos atos subsequentes.
Frise-se, ainda, que segundo informações complementares da Requerente, o Projeto de Lei teria sido aprovado na data de hoje pela Assembleia Legislativa local, apenas 2 dias após a mencionada Sessão do Tribunal Pleno, e antes mesmo da aprovação formal da ata da referida Sessão.
Registre-se, por fim, que existe nos autos informação de que, em decorrência do projeto de ampliação do número de Desembargadores, também foi enviado à Assembléia Legislativa anteprojeto de lei para criação de cargos de servidor, cargos em comissão e funções comissionadas para o 2º grau de jurisdição. Por óbvio, o aparente vício do projeto original acaba por fulminar a finalidade deste.
A cautela, portanto, recomenda a suspensão imediata dos efeitos da decisão proclamada pelo Presidente do TJAM e que ensejou o envio dos referidos anteprojetos de lei, pendentes de aprovação e/ou promulgação.
Por todo o exposto, defiro a concessão de medida liminar para suspender os efeitos da decisão proclamada pelo Presidente do TJAM e que ensejou o envio do anteprojeto de lei para criação de cargos de desembargador naquela Corte.
Também defiro, de ofício, medida liminar para suspender os efeitos do ato administrativo de envio do anteprojeto de lei para criação de cargos de servidor, cargos em comissão e função comissionada no 2º grau de jurisdição do TJAM.
Em decorrência, determino à Presidência do TJAM que, de imediato, oficie o Presidente da Assembléia Legislativa e o Governador do Estado dando ciência desta decisão e solicitando a devolução dos referidos projetos de lei.
Cumpra-se com a máxima urgência.
Intime-se o TJAM para apresentar informações, no prazo regimental de 15 dias, oportunidade em que deverá encaminhar gravação ou nota taquigráfica da Sessão em comento.
Após, submeta-se a presente decisão à ratificação pelo Plenário deste Conselho.
RUBENS CURADO SILVEIRA
Conselheiro
Conselheiro
Fonte: Portal do Holanda