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Por. Getulio Cordeiro
As abelhas pousam na fatia de queijo coalho. Ele as agride com um trapo gorduroso. Apressado, o cliente pára e lhe pede um pouco de fogo para acender o cigarro. Ele nega; depois, resmunga. Tudo incomoda Carlinhos. Sinto até falta das frases prontas que costuma soltar nas horas certas.
Carlinhos é o cineasta não valorizado pela cultura e vende bombom na parada onde costumo tomar cafezinho à espera do ônibus. Imaginei que ele tivesse descoberto que sua namorada anda saracoteando pela noite. Vi a moça numa madrugada de sexta-feira, na Ladeira do Forró. Dançava de tudo e de todo jeito: ia e voltava para frente e para trás segura pelas mãos do parceiro; rodopiava feito pião; e depois de mais uma sessão de ida e vinda saltava-se na cintura do rapaz, abraçando-o com as pernas para em seguida girarem no mesmo eixo. Eu deixei a festa, e ela ficou molhada de suor.
Mas não era isso que perturbava Carlinhos. Aliás, aprendi com meu amigo Camilo, criador de gado que hoje beira os 80 anos, que velho não sente ciúme. “Prefiro dividir um docinho a ter que comer sozinho uma lata de estrume”. O bombonzeiro já passou dos 70 e a namorada dele está perto dos 20.
Senti-me tão incomodado com a mudança de comportamento do meu amigo que o instiguei:
- O que aconteceu, Carlinhos ?
- Nada, por quê?, retrucou.
- O senhor está brigando até com as abelhas.
Ele abriu um sorriso, depois baixou a cabeça e disse:
- O bispo pediu para a gente não acreditar em mais nada que o Robério Braga diz. Nem assistir ao concerto natalino que ele gastou milhões.
- Mas por que, seu Carlinhos?
- Ele vendeu a alma para o diabo, por isso é que ficou rico e esta a 18 anos no poder. Tu já imaginou?
E eu, pensei comigo: sim, já havia imaginado. Essas histórias escutam-se em todos os lugares. No livro “Os pactos”, li a história da família Picasso, em uma cidade chamada Santa Rosa. Eram lavradores. Da noite para o dia, tornaram-se donos de tudo. Mas havia um problema: a cada salto que davam na fortuna, um filho morria. Foram-se três. Todos de maneira trágica. O último, por exemplo, debaixo de um contêiner, que despencou de um guindaste no cais do porto de Santa Rosa.
Outra história do livro contava a sorte de um pobre mecânico de aviação. Vivia se queixando da vida. Passava horas em sua oficina, falando sozinho. Ficou rico ao se encontrar com o cramunhão, durante um acidente aéreo. Dizem que quando o avião começou a apresentar problema, todo mundo se pegou com Deus. Só ele com o dito cujo. Depois da tragédia, comprou a empresa para a qual prestava serviço e tudo o que desejava possuir.
Seu Carlinhos tinha a história dele também:
- Na minha terra tinha um coronel muito rico. Perdeu tudo depois da Segunda Guerra. Ficou igual a gente. Mas, da noite para dia, começou a comprar navios, comércio... Dizem que vendeu a alma para o diabo. Assim como subiu, caiu. Morreu só em um pau-de-arara. Adiantou?
Concordei com o meu amigo. E lhe disse:
- Seu Carlinhos, sei que existe uma historia que o Robério vendeu outra coisa. Não só a alma dele mas a do filho também. O primeiro trabalho dele foi pressionar o secretario da SEDUC a empregar seu filho com um salario de 15 mil mês e nem dava as caras.
Ele, confirmou:
- Sim, o bispo disse que ele vendeu a alma da família toda por trezentos milhões de dólares e por uma vaga de secretario na SEC !
- trezentos milhões de dólares é muito dinheiro, respondo.
- Olha, vou te dizer uma coisa, sou cineasta desvalorizado eu morro vendendo bombons, mas não entrego minha alma por preço nenhum. Essa é a única coisa que não se vende.
Concordei com ele e tentei dar minha opinião sobre esse assunto, mas o 600 (T4-Centro) passava com alguns lugares vazios e corri para embarcar.

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